Por Jonatas Andrade
O relógio despertador na emergência de um alvoroço sonoro marcava 8 horas da manhã de um dia, que aparentava ser como outro qualquer, inserido numa semana de rotina quase inalterada. Acordei como se estivesse no piloto automático e lembrei que era domingo, estava sem compromissos. Não conseguia mais voltar a dormir e a televisão poderia ser a melhor alternativa quando não se desejava sair do leito de descanso. Certamente, em meio a tantos canais da TV por assinatura, seria possível encontrar uma emissora que saciasse a vontade de navegar pelas ondas do entretenimento televisivo matutino. Afinal de contas, não iria nem tentar zapear pela TV aberta, que naquele horário, provavelmente, surfava por sobre as ondas dos mais variados tipos de merchandising.
Um perfeito engano, afinal o horário matinal é quase inapropriado para a diversão gratuita. O vasto cardápio de canais oferecido pelas operadoras TV por assinatura não passa de uma mera ilusão de ótica, uma miragem. Pagamos para assistir informeciais ou informes publicitários – aqueles blocos comerciais de empresas que alugam horários em emissoras. A SKY é um exemplo de operadora que disponibiliza canais com esse tipo de conteúdo. Controlada pela The DirecTV Group e pelas Organizações Globo, a operadora oferece cerca de 150 canais, dos mais diversos gêneros, aos 1,6 milhão de assinantes no Brasil. É bom lembrar que o universo de usuários tupiniquins da TV paga ultrapassa a casa dos 5,3 milhões, engordando os bolsos dos conglomerados de comunicação em R$ 6,7 bilhões, somente no passado, de acordo com o último levantamento da Associação de Brasileira de TV por Assinatura (ABTA).
Por pouco mais de R$ 100, em média, o assinante tem direito a alguns canais segmentados, dentre eles o Universal Channel; Discovery Channel, Travel & Living, Home & Health; People + Arts; The History Channel; E! Entertainment; FX e A&E. O que espanta em relação aos canais mencionados é que todos os nove transmitem programação idêntica, no mesmo horário. A segmentação de programas, na faixa entre 8h e 10h da manhã nos finais de semana, se resume à venda de produtos das linhas de cuidados pessoais; utilidades domésticas; cama, mesa e banho; informática; eletroeletrônicos, etc.
Não há escapatória, a TV está infestada pela praga do merchand. Ainda não inventaram inseticida que extirpe essa erva daninha dos nossos televisores. A TV aberta foi o primeiro hospedeiro dessa peste. Algumas empresas, que antes compravam faixas integrais de horários, agora decidiram diversificar suas incursões em programas de baixa audiência e de qualidade duvidosa. Como se não bastasse, a onda de merchandising invadiu os canais de TV por assinatura. Inserções, que variam entre 30 segundos e 3 minutos, se tornaram freqüentes nos intervalos dos canais fechados. No início da manhã, nas madrugadas e finais de semana, horários inteiros foram alugados para veiculação desse conteúdo indecente.
Pagar para assistir as opções entretenimento oferecidos por alguns canais fechados é o mesmo que pagar para ver e, ao mesmo tempo, comprar pela telinha, em tempo real, suplementos alimentares, emagrecedores, depiladores, aspirador de pó, vassoura e escova elétrica para cabelo.
Produtos mirabolantes e porções milagrosas também fazem parte do menu oferecido pelos canais especializadas em vendas 24 horas. Como se não bastasse, a mesma SKY tem a desfaçatez de oferecer em seu pacote de programação mais inutilidades na linha de vendas. A operadora de TV por assinatura dispõe de mais quatro canais especializados em induzir o telespectador a comprar, freneticamente, produtos supérfluos.
No quesito muambas estrangeiras, o Polishop tem sido o responsável pelas principais violações às grades de programação da TV brasileira, com o intuito de anunciar produtos vendidos pelo telefone. Essa distribuidora paulista se especializou em comercializar bugigangas de origem internacional, acompanhadas por promessas de desempenho que nem sempre correspondem com a realidade. O mix de engenhocas ofertadas chegaria a 120 produtos, metade importada. De acordo com matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, em 03 de setembro de 2007, a empresa Polishop, “que vende desde calcinha com enchimento para bumbum até equipamentos de informática”, à época, alugava cerca de 14 horas diárias da programação de sete canais pagos.
Segundo a revista Istoé Dinheiro, na edição de 23 de agosto de 2006, o faturamento estimado da empresa era de R$ 100 milhões, num setor que movimentaria R$ 1 bilhão, por ano. No ranking dos 300 maiores anunciantes do jornal Meio & Mensagem, a Polishop ocupava a 52ª posição, investindo R$ 37,9 milhões em publicidade em 2005 – 77% a mais que no ano anterior. No mesmo ano, a empresa foi uma das 11 acusadas pela Polícia Federal de participar de um esquema de fraude às importações. O relatório da PF e da Receita Federal, naquele período, apontou que o esquema teria importado de maneira fraudulenta R$ 1,1 bilhão nos últimos quatro anos. A informação é do jornal Folha de S. Paulo de 26 de novembro de 2006.
O precursor na categoria estelionato televisivo foi o Shop Tour, criado em 1987, com programação especializada em anúncios de ofertas e oportunidades de produtos e serviços diversos. O canal transmite 24 horas de programação diária, composta por mais de 25 mil comerciais veiculados anualmente. Seguindo a mesma linha, a Globosat fundou, em 1995, o Shoptime. O canal acabou se tornando uma empresa de varejo que possui ainda como meios de venda um site e um catálogo. Com a ascensão desse segmento, a marca foi comprada pelo grupo Lojas Americanas, em 2005, e hoje a empresa faz parte da B2W - Companhia Global de Varejo que possui as seguintes marcas: Americanas.com; Shoptime; Submarino e Ingresso.com.
O filho caçula da esculhambação comercial televisiva atende pelo nome de Giga Shopping TV. Considerada uma das maiores lojas portuguesas pela internet, virou canal de televisão por assinatura focado em televendas de quinquilharias. No Brasil, somente os assinantes da SKY têm o desprazer de assistir a emissora.
Para aqueles que não conseguem conter a ânsia consumista ou sofrem de oneomania – doença relacionada à compra compulsiva – a operadora de TV por assinatura oferece ainda outra opção mais veloz para saquear o seu bolso e desestabilizar suas finanças: “SKY Compra Rápida”. Com essa ferramenta você compra pelo controle remoto e alimenta o seu vício a base de pequenas parcelas fixas.
Realmente ninguém mais está imune a enxurrada de anúncios na televisão. A TV paga, que até então era um espécie de reduto para os exilados da TV aberta, se tornou um antro de propagandas, programas e canais de vendas. O home shopping ou supermercado eletrônico arrendou alguns horários e programações em detrimento de conteúdos originais que deixaram de ser veiculados e até mesmo produzidos para a TV por assinatura.
O mercado brasileiro de TV por assinatura é dominado por duas operadoras, a Net e a Sky, que respondem por 78% do total de assinantes no país. “Isso significa que nenhum canal ou produtor consegue se dirigir à maioria do público sem a bênção de ambas”, afirma a reportagem publicada pela revista Veja em 18 junho de 2008. A decisão sobre o que assistir é realmente do telespectador-assinante? O usuário tem a opção de comprar um pacote de programação que não contemple os canais de vendas? “Vendas” também é um gênero de conteúdo da TV por assinatura assim como cinema, informação, infantil, esportes e variedades? Sendo supostamente um gênero, por que não vender essa opção à la carte? A resposta é simples: ninguém ou quase ninguém a compraria para comprar.
Os pacotes programação já vêm prontos, montados conforme os interesses comerciais da operadora de TV por assinatura, o que obriga o telespectador a adquirir vários canais que não deseja para que possa ter, por exemplo, um canal de esportes. Como não existe a mínima possibilidade de se extinguir os canais de vendas da TV paga, o Projeto de Lei - PL 29/2007 pode ser considerado uma alternativa paliativa. A proposta, do deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), pretende coibir o excesso de publicidade nos canais de televisão por assinatura.
Pela redação do deputado, a publicidade seria limitada em moldes parecidos com o que já existem na TV aberta. Assim, a publicidade, em cada canal, não poderá exceder 25% do total diário e 30% de cada hora. Além disso, o projeto cria novas regras para o mercado de TV por assinatura, produção e distribuição de conteúdo. A proposta enfrenta resistência dos conglomerados de comunicação devido à previsão de cotas para conteúdos nacionais dentro dos pacotes comercializados pelas operadoras, e por estabelecer limites para participação de empresas de telefonia nos mercados de produção e programação de conteúdo. O projeto tramita em caráter conclusivo na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados e está na pauta para ser votado, provavelmente, ainda no mês de junho. Agora é, literalmente, esperar para ver, ou melhor, assistir de camarote quem irá vencer essa batalha de gigantes. Enquanto isso: dá-lhe bugigangas na TV por assinatura! Afinal de contas, quem assiste também paga para comprar.